Ana
Maria Espinoza: "É essencial ensinar a ler textos de Ciências"
Para a
pesquisadora argentina, pedir apenas que a turma leia e responda questões sobre
um tema não contribui para a aprendizagem
Ana
Maria Espinoza
Os estudos
dessa química argentina que se especializou em Educação têm chamado a atenção
de professores de diferentes áreas. Ana Maria Espinoza articula conhecimentos
de didática da leitura e de Ciências Naturais para explicar que é possível
melhorar a aprendizagem dos alunos na disciplina ao oferecer-lhes textos expositivos.
Há mais de 15 anos, ela deixou as salas de aula em Buenos Aires para se dedicar
à pesquisa científica ao lado de sua compatriota Delia Lerner, conhecida
internacionalmente pelos estudos em didática da leitura, escrita e Matemática.
Em 1996, Ana Maria foi chamada ao Brasil para ser consultora dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) de Ciências, lançados no ano seguinte. E, há dois
meses, foi convidada a abrir a Semana Victor Civita de Educação, que foi
realizada de 16 a 18 de outubro em São Paulo. Nesta entrevista, concedida a
NOVA ESCOLA durante o evento, ela explica algumas das conclusões do estudo A
Leitura em Ciências Sociais e Naturais: Objeto de Ensinamento e Ferramenta de
Aprendizagem, realizado na Universidade de Buenos Aires por uma equipe
interdisciplinar. A principal delas é que é essencial ter um propósito leitor
antes de sugerir uma leitura à turma. Outra: os estudantes nem sempre entendem
aquilo que os professores supõem que estejam ensinando. "É preciso
investigar em diferentes situações didáticas os conceitos elaborados pelos
alunos e como eles estão construindo o conhecimento. Só assim se consegue
avançar na aprendizagem e nas leituras", afirma a pesquisadora.
Por
que os textos científicos são considerados difíceis?
Ana Maria Espinoza
A interpretação de um texto está condicionada ao conhecimento prévio do leitor.
E ele o considera difícil se não tem familiaridade com o tema.
Independentemente do grau de dificuldade, os textos científicos trazem novas
idéias e conhecimentos que precisam ser tratados em sala de aula.
Seus
estudos se baseiam na resistência de estudantes e educadores em lidar com
escritos da área. Por que você acredita que isso ocorre?
Ana Maria A
interpretação não é uma tarefa simples. Os escritos abordam mais de um conteúdo
e muitas vezes não se conhecem e se dominam todos. Diante da dificuldade, não
podemos afirmar que os estudantes e os mestres sejam burros ou os textos ruins.
A complexidade está diretamente relacionada às situações de leitura a que eles
estiveram expostos ao longo da vida. Sempre que se apresenta um conteúdo novo,
é natural que haja dificuldade em entender não porque o texto seja complexo,
mas porque o conteúdo é desconhecido. É preciso renovar as situações de leitura
em sala de aula. Pedir à turma que leia um texto em casa e em seguida responda
a algumas perguntas não ajuda na aprendizagem.
Mas
é isso o que grande parte dos professores faz...
Ana Maria
Porque esse procedimento está enraizado na escola. Questionários não ajudam a
interpretar nem favorecem a construção de um leitor crítico e autônomo. Outras
intervenções didáticas, principalmente as que envolvam problematizações, são
mais adequadas.
Qual
a melhor maneira de utilizar os textos científicos em sala de aula?
Ana Maria
Digo sempre: só se aprende a ler lendo! Para formar um leitor crítico, o
docente tem de ser um leitor crítico, e isso não é o que se vê. Não se pode
generalizar, mas muitos professores dão por entendidas coisas que não estão
claras para os alunos e utilizam perguntas e respostas para avaliar a
aprendizagem: "De que é constituída a matéria?" A criança busca a
resposta no texto e escreve que ela é formada por partículas. Parece que
entendeu! Mas de que forma? Ela será capaz de utilizar essa informação em uma situação
real se for instigada a pensar criticamente e a buscar representações
existentes sobre aquele assunto.
É
preciso preparar os alunos antes de apresentar uma leitura?
Ana Maria É
necessário criar situações-problema que gerem dúvidas instigantes sobre o tema
a estudar e permitam que os estudantes revelem suas concepções por meio de
conversas, desenhos e textos próprios. O resultado é que no momento da leitura
eles já terão uma concepção mínima do assunto, diferente da que tinham no
início dos trabalhos.
De
que maneira se facilita a leitura de textos expositivos em Ciências?
Ana Maria
Ensinar demanda limitar os assuntos, recortar conteúdos e torná-los
independentes de outros conceitos que estão amarrados em um texto. Assim, fica
fácil abordar a idéia central e todas as outras subsidiárias de maneira tal
que, ao fim das atividades, a turma tenha compreendido o objeto de estudo.
As
analogias são muito utilizadas nos textos científicos. As crianças conseguem
interpretá-las bem?
Ana Maria
Não. Elas as entendem como algo similar. A analogia é uma ferramenta para
comunicar, porém também para fazer pensar, imaginar algo novo, desconhecido, de
que não se tem referências. É legítima a intenção do autor. Ele quer promover o
pensamento crítico, proporcionar ao leitor a recuperação de uma representação
interna sobre algo que exige abstração para se tornar mais familiar,
compreensível. Um exemplo: para explicar o sentido de homogeneidade, um autor
comparou as partículas de um líquido a grãos de areia na praia. Algumas crianças
entenderam que as partículas correspondiam ao mesmo tamanho dos grãos de areia.
Cabe ao docente investigar a maneira como a turma está entendendo essas
proposições.
É
possível deixar claro que um análogo não é um igual?
Ana Maria
Quem tem dificuldades para interpretar a analogia pode se valer de descrições
objetivas e problematizações para assimilar corretamente os conceitos. É
essencial explicar que na analogia utilizamos apenas um aspecto para comparar
objetos. Nunca é o todo e é por isso que eles não são iguais.
O
que difere a metáfora em textos literários e científicos?
Ana Maria
Na literatura, ela tem um sentido estético e serve como um recurso de
sensibilização. Em obras de Ciências, ajuda o autor a aclarar um assunto, a
explicar melhor um conceito, sem nenhum caráter artístico. É importante
reconhecer esse aspecto da língua. Como distinguir a linguagem dos textos
científicos e didáticos? Ana Maria Para começar, eles pertencem a gêneros
distintos e têm objetivos diferentes. Quando uma equipe de cientistas pesquisa
um assunto, ela está em fase de investigação de novos dados e de outras
produções científicas. Em uma etapa seguinte, a da divulgação, ela utiliza uma
linguagem interpretativa, com metáforas e analogias, para facilitar a comunicação.
Para isso, todo o trabalho é reordenado e seleciona-se o que é mais importante,
ficando de fora várias etapas do estudo. Esse material é que, depois, vai ser
editado para outro fim: a Educação. Portanto, textos científicos e didáticos
são baseados em linguagens diferentes: o primeiro tem como objetivo comunicar o
público especializado, e o segundo, os leigos no assunto.
O
livro didático simplifica muito o texto científico?
Ana Maria
Sim, a maioria exagera na simplificação, banaliza os conceitos e torna o
assunto pouco interessante. De qualquer maneira, os alunos precisam aprender a
dar conta do livro didático - a interpretá-lo - e a encontrar nele marcas que
possibilitem promover o conhecimento de que necessitam. Mas isso só acontece se
o professor desenvolver discussões com eles e aprofundar os conceitos.
Infelizmente, nem todas as escolas têm disponível outros materiais.
É imprescindível o contato com diferentes fontes de leitura em Ciências?
Ana Maria Sim, isso é importante, mas sem dúvida apenas um entre muitos
caminhos. É a intervenção do docente, fundamentalmente, que ajuda a compreensão
de um conceito-padrão em Ciências. Ele tem de ampliar as informações e o conhecimento que leva
para a classe e os textos são uma de suas opções. Veja o caso, por exemplo, de
uma experiência que visa estudar os estados da matéria. É comum as crianças
entenderem que uma substância sólida se transforma em líquida pelo efeito do
calor. Porém, para algumas delas, o líquido pesa mais do que o sólido porque
outorgam ao calor as mesmas características da matéria e consideram que as
partículas "incorporadas" formam o líquido. Sem uma intervenção
imediata e eficiente do professor nesse momento, não há resultado algum no que
se refere à aprendizagem.
Qual
o papel das experimentações?
Ana Maria
Muitas vezes, se pensa que o experimento fala por si mesmo, que com base na
observação a garotada pode tirar conclusões e entender determinados fenômenos.
Parece tudo muito fácil e simples. Assim como nos textos, o problema não está
na complexidade dos escritos, mas na intervenção docente durante as atividades
pedagógicas.
Há
um momento exato para a utilização de textos em um projeto, atividade ou
seqüência didática?
Ana Maria
Não. Depende do tema, da idade da turma e de outras variáveis. O professor sabe
a melhor hora dentro de seus esquemas, mas o texto tem sempre de estar incluído
numa rede de referências que façam sentido para o leitor.
Leitura
é um conteúdo a ensinar também em Ciências?
Ana Maria É
essencial saber ler as especificidades da disciplina. A interpretação incorreta
de termos científicos compromete o entendimento dos conceitos da área. Por
exemplo, a utilização do verbo supor ("a teoria supõe que...") é
entendida por alguns, de acordo com os estudos realizados, como a falta de
domínio do autor. Eles pensam que se ele supõe é porque não sabe o suficiente.
Quais
critérios devem se considerar na seleção do material didático?
Ana Maria
Quanto mais o texto apresenta uma visão interpretativa do conhecimento, não
apenas baseado em descrições, melhor. É importante também que ele tenha caráter
histórico, que dê margem a discussões entre as turmas. Outro ponto essencial:
que não seja muito denso, que desenvolva idéias e que apresente situações para
pensar e buscar referências. Só assim a criança consegue pensar sobre ele e não
imaginar que se trata apenas de definições. Por fim, os gráficos e as
ilustrações não podem ser decorativos.
Como
ler as imagens em Ciências?
Ana Maria
As ilustrações e os gráficos completam as informações de um texto ou trazem
novos dados a serem lidos. Esses elementos em Química, Física e Biologia têm
características próprias que devem ser reconhecidas pelos estudantes e também
interpretadas, assim como as palavras. Espera-se que eles cheguem ao nível de
questionar qual o sentido daquele desenho para determinada explicação. Ao
docente cabe relacionar as informações gráficas com a linguagem escrita,
expressa no texto, assim como no título e nas legendas da imagem.
Para
desenvolver um bom trabalho de leitura e de escrita, o professor de Ciências
necessita de parceiros de outras disciplinas?
Ana Maria
Eu não acredito que seja indispensável virar um especialista em leitura. Mas,
em qualquer situação didática, o ideal é que o docente não trabalhe sozinho.
Meu trabalho de investigação na universidade depende de uma equipe
multidisciplinar para avançar. Acredito que uma escola também deva funcionar
assim. Todos ganham com isso.
Fonte:
BENCINI, Roberta. Ana Maria
Espinoza: "É essencial ensinar a ler textos de Ciências". Disponível
em: http://revistaescola.abril.com.br/ciencias/fundamentos/preciso-ajudar-alunos-entender-textos-ciencias-426225.shtml.
Acesso em: 01 de junho de 2015.

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